Desafios para Portugal, Europa e África
Com lugar nos dias 24 e 25 de Maio de 2021, a conferência internacional online, organizada pelo CEI-Iscte e pelo Instituto da Defesa Nacional e cofinanciada pelo Instituto Camões I.P, proporcionou um lugar de discussão e diálogo em torno de 4 painéis, focados em tais temáticas como segurança, defesa e desenvolvimento, nas relações entre a União Europeia (UE) e África, assim como na cooperação portuguesa com África. Foram ainda discutidas questões referentes aos nexos entre migrações, alterações climáticas e segurança humana.
Por entre muitas vozes proeminentes, destacaram-se, enquanto oradores convidados, o Dr. Carlos Lopes e a Dr. Rita Laranjinha, em virtude do papel fulcral que ambos assumem atualmente no contexto das relações entre a UE e África.
O primeiro reiterou a importância de uma reformulação do paradigma nas quais tais relações se desenrolam, no sentido de melhor se adaptarem aos desafios atuais, a par da necessidade de investimento europeu concreto, regular e otimizado em África. A nova relação que se pretende entre as duas partes só será possível quando o paradigma de doador-recetor, que menospreza os avanços e o crescimento que o continente africano tem evidenciado até à data, deixar de ser predominante. Carlos Lopes referiu ainda a zona de livre comércio continental africano, a política de paz e segurança da UA e as migrações enquanto áreas privilegiadas para financiamento europeu e para a construção de uma parceria entre iguais, que aceite África como um todo, e que abandone conceções europeias regionais, ou integrais que excluem tacitamente partes do território.
Por sua vez, Rita Laranjinha reforçou a importância de uma adaptação europeia ao ritmo da sua contraparte e apelou à empatia para com os parceiros africanos, tendo em conta as vulnerabilidades muitas vezes resultantes de causas alheias, como é o caso das alterações climáticas, e o seu respetivo exacerbamento devido ao contexto da pandemia. Reiterou, ainda, a mensagem veiculada no documento da Comissão Europeia para uma estratégia abrangente com África relativamente à necessidade de um desenvolvimento sustentável e inclusivo e da importância do contexto multilateral nesse mesmo caminho.
Ao longo da conferência, diversos outros desafios decorrentes do nexo entre desenvolvimento, defesa e segurança humana foram também mencionados e desenvolvidos entre os respetivos interlocutores, gerando assim um diálogo profícuo entre várias perspetivas e posições relevantes.
No primeiro painel, referente a questões de segurança, desenvolvimento e defesa nas relações UE- África, foram debatidos temas como a mudança da narrativa dos estados-membros europeus perante África, progressivamente mais focada na importância do investimento na segurança humana e desenvolvimento, em contraponto com a perceção de uma crescente securitização e militarização da presença europeia no continente africano. Da perspetiva de alguns oradores, apesar da mudança retórica ser reconhecida, a prática continua, muitas vezes, a refletir ainda a presença de dinâmicas pós-coloniais e o reforço das estruturas de poder desiguais. Para outros, a presença militar europeia continua a ser essencial para a sustentabilidade de iniciativas conducentes ao desenvolvimento, revelando-se por isso uma necessidade recorrente.
No segundo painel foram elaborados temas em torno da segurança, desenvolvimento e defesa, na cooperação portuguesa com África, cujo perfil foi salientado em virtude da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021. Uma frase em particular do Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres – “Sem paz é sempre difícil o desenvolvimento” – foi utilizada como mote para se refletir sobre as linhas em que a cooperação no domínio da defesa em Portugal é conduzida, sendo a mesma inspirada nos principais documentos portugueses dedicados ao desenvolvimento. Tais estratégias refletem os principais compromissos nacionais para com os ODS, que ganharam uma relevância adicional no ano da renovação do quadro estratégico da cooperação portuguesa, onde a segurança humana e desenvolvimento serão proeminentes. A necessidade de maior e crescente integração das prioridades de segurança humana na elaboração das estratégias e políticas de desenvolvimento, assim como a de cooperação regional, foram também frequentemente mencionadas.
No que refere ao painel focado em migrações e segurança humana, a importância das narrativas europeias foi, uma vez mais, destacada, devido à crescente tentativa de securitização da migração africana para a Europa, muitas vezes definida em tornos de termos como migração irregular e perigo iminente. Os especialistas convidados salientaram o quão irreais estas narrativas são, sendo que a maior parte da migração africana é feita de forma regular, destinando-se, na sua maioria, ao próprio continente africano, com o número de migrações irregulares para o continente europeu a diminuir desde o pico da crise de refugiados em 2015. O que se encontra refletido nas atuais políticas europeias para a migração, é uma agenda estritamente europeia que se torna urgente alterar, por forma a incluir a perspetiva, conhecimento e agenda africana. A questão da segurança e controlo de fronteiras, e sobretudo da tecnologia usada para esse efeito, foi também mencionada no âmbito da perceção das situações dos migrantes nas linhas de costa. No entanto, o risco da sua utilização desregulamentada permanece igualmente elevado, podendo ser utilizada enquanto instrumento de crescente exclusão. Torna-se necessário, por isso, uma alteração de paradigma, que tenha em conta as diferentes necessidades de segurança humana dos Estados, e salvaguarde as vidas humanas, a sua dignidade e proteção mínima.
O quarto painel explorou as interconexões entre alterações climáticas e segurança humana, no contexto de um dos mais proeminentes paradoxos africanos. Nomeadamente, o facto de África representar um continente com uma responsabilidade residual na emissão de gases de efeito de estufa e aquecimento global, mas, ao mesmo tempo, aquele mais vulnerável face às alterações climáticas daí decorrentes. Com efeito, grande parte das populações africanas tem vivenciado uma série de crises simultâneas, ampliadas pelos efeitos da pandemia e do aumento das temperaturas e desertificação causada pelas alterações climáticas. Foi feita também referência à necessidade fulcral de incluir a prevenção de riscos na formulação de políticas públicas, como forma de facilitar e garantir a sustentabilidade dos esforços adaptativos, sem criar uma narrativa apocalíptica entre alterações climáticas e o aumento de insegurança. É igualmente necessário que a discussão em torno de segurança climática tenha também em conta os diversos contextos regionais e geográficos, bem como os riscos que lhes estão associados. Por último, uma eventual alteração discursiva europeia deve ser acompanhada de esforços correspondentes para agir ou prevenir os impactos ao nível da segurança humana, causados pelas alterações climáticas.