José Luís Monteiro

José Luís Monteiro é vogal da assembleia geral da Oikos, e gestor de projetos da organização, desde 2010.


Portugal foi um dos primeiros países da UE a completar o processo de ratificação do Acordo de Paris, em 2016, estando publicamente empenhado na implementação de todos os ODS, tanto no plano interno, como externo. Que progressos relevantes considera terem sido feitos nestes domínios, quer no contexto nacional, quer nas relações de cooperação com África?

Começo claro por mencionar que tem vindo a existir uma evolução no sentido da mobilização para o combate às alterações climáticas e sustentabilidade, sendo que existiram alguns progressos nessas áreas, mas deviam ter-se feito muitos mais. Existe o delinear de um percurso, mas ainda há muito a fazer. A nível interno, a questão, sobretudo, das alterações climáticas, mas também alguns outros pontos da sustentabilidade ambiental têm vindo, progressivamente, a integrar o discurso de todos, mas têm entrado apenas nas políticas de alguns setores, ministérios e empresas. Obviamente que há também um caminho a ser percorrido no sentido de distinguir aquilo que parece ser uma mobilização discursiva, que acaba muitas vezes, por não se revelar em ações e medidas concretas. Embora existam bastantes iniciativas que já foram pensadas e avançadas, continua a existir uma reticência em interferir e reformular os campos mais essenciais de todos, sendo estes, toda a parte comportamental das sociedades e todos os domínios da sustentabilidade que não são necessariamente passíveis de comercializar nos moldes tradicionais. Aproveito para mencionar o exemplo das energias, onde existe uma forte motivação e mobilização para o progressivo abandono dos combustíveis fósseis e o investimento nas energias renováveis, no entanto, são ignoradas questões primordiais anteriores, como é o caso da eficiência energética. Tal parece ser explicado pelo facto de que questões de eficiência energética não produzem receitas no modelo tradicional, ou seja, não têm um impacto direto nos lucros ou resultados apresentados, por algumas grandes empresas.
Portanto, diria que já se fez um grande caminho no sentido em que os decisores políticos já entenderam que há uma necessidade de mudar e reestruturar os nossos modelos de produção e sociedade, no entanto, parece existir uma reticência em alterar as estruturas fundamentais dos mesmos. Nesse sentido, lembro-me da forte campanha contra as palhinhas, na luta contra o plástico, quando na verdade esse é um ponto muito pequeno de um problema muito grande. Continuamos com índices de reciclagem muito reduzidos, o que demonstra que, embora importantes, estes pequenos passos têm que ser acompanhados por uma sensibilização e alteração de todo o padrão de consumo dos países industrializados.
No que aos países em desenvolvimento diz respeito, África, mas também América Latina, onde a Oikos atua, não se está a fazer o que fora inicialmente previsto. Por muito que haja boa vontade em Portugal, os nossos recursos são muito limitados, isso é inegável, mas aquilo a que estamos a assistir, quer da nossa parte, quer da União Europeia, quer dos grandes doadores, quer da maior parte dos países que investe nos países em desenvolvimento, é a realocação de fundos já existentes para a intervenção nas áreas da sustentabilidade, e que falam muito sobre alterações climáticas, mas o que o Acordo de Paris previa, não era apenas a sensibilização e investimento, mas sim a criação de novos fundos para o combate às alterações climáticas. No entanto, o que assistimos é à realocação e redefinição dos investimentos que já estavam previstos, alterando por exemplo, fundos destinados à erradicação da pobreza, para as alterações climáticas e sustentabilidade. Podemos ver isto por exemplo, na APD, que não sofreu alterações significativas, continuando com valores muito reduzidos relativamente aos 0,7% que estariam inicialmente previstos.


Qual acredita ser o maior obstáculo à implementação dos objetivos compreendidos no Pacto Ecológico Europeu e a sua vertente externa, a cargo do Serviço de Ação Externa Europeu, necessariamente transversais a todos os Estados Membros? E como poderá a sociedade civil facilitar este processo?


Penso que neste campo não haverá grandes alterações a curto prazo, as dificuldades vão continuar a ser as clássicas e o papel da sociedade civil continuará também a ser o clássico.
Organizações como a Oikos, que já trabalha há 33 anos no terreno e portanto, já estamos também um pouco cristalizados no nosso modo de atuação, apesar de existir um esforço contínuo em trazer informações novas, ideias novas, pessoas novas, há ações que fazemos, que seguem o nosso modus operandi e que já ocorrem de uma forma costumeira e quase automatizada,, o que dificulta criar e implementar novos modos de fazer as coisas (apesar de estarmos constantemente a tentar inovar e atualizar). No entanto, tenho muita esperança nas gerações mais novas, porque começam desde cedo a pegar nas causas e a reclamá-las de formas e ângulos diferentes dos nossos, como nunca tínhamos visto ser feito, e a contestar vários pontos chave do sistema, sendo que espero que daí saiam soluções ainda mais interessantes e criativas.
Quando falo de problemas clássicos, penso que o principal gira sempre em torno da vontade política, independentemente do que esteja definido em acordos internacionais e momentos oficiais, etc.. a atuação padrão parece não sofrer alterações fundamentais. Dou o exemplo da atuação da União Europeia nas COP, apresentando-se sempre como o grupo mais progressista, aquele que quer levar as coisas mais além e guiar os outros nesse caminho, no entanto, dentro da própria UE, continuamos a ter países, como é o caso da Polónia, cujos meios de produção estão ainda muito dependentes do carvão, ou seja, é praticamente impossível conseguir que o caminho seja efetivamente feito e parece não existir uma posição comunitária firme nesse sentido. Há esse problema de definir as prioridades inegáveis da UE, pondo a resposta às alterações climáticas e questões de sustentabilidade, enquanto prioridade principal. Essa é uma parte essencial que nos está a impedir de andar para a frente. Glasgow vai ser um momento importante de aferição de progressos, no entanto, eu acredito que não irão existir novidades muito significantes, sendo que continuaremos a ficar aquém do que era esperado (e já fomos avisados pelos cientistas que o que não fizermos hoje, vamos ter que fazer amanhã, mas com maior urgência e maiores custos, dificultando ainda mais o trabalho necessário para recuperar o planeta).
No que à sociedade civil e às Organizações Não Governamentais diz respeito, existem diversos papéis que esta tem, ou terá que ter, aos vários níveis. Desde mobilização de populações, como é o caso da greve climática, à pressão sob os governantes. O despertar de consciências é muito importante, sendo que aqui as gerações mais novas e criativas têm um papel fundamental. Depois existe outra componente, mais estabelecida, mais técnica e estruturada, que é o de mostrar aos governos que há outras formas de fazer as coisas, chamar atenção aos mesmos quando não estão a responder aos compromissos que assumiram, e, acima de tudo, ser capazes de destacar o conhecimento e experiência de quem está efetivamente no terreno, formando uma voz proeminente no questionamento do modelo de sociedade dos países industrializados e a sua reestruturação.


A fim de responder à necessidade de uma transição climática justa e inclusiva, a União Europeia criou o Mecanismo para uma Transição Justa, destinado à prestação de apoio técnico e financeiro aos países mais afetados pelas alterações climáticas, com a duração de 6 anos (Entre 2021 e 2027). Será este período suficiente para a implementação das infraestruturas necessárias para a sustentabilidade de uma transição efetiva e sustentável? Decorrente da experiência na área de atuação da sociedade civil, quais seriam as necessidades estruturais e os pontos de intervenção prioritários para a otimização deste instrumento?


Acredito que não será tempo suficiente pela questão clássica de que, independentemente de tudo, vamos ter que intervir, primeiramente, sobre as crises mais agudas que vemos. Provavelmente o apoio à recuperação de catástrofes vai colher uma parte muito grande dos recursos, quer humanos quer materiais, nos próximos tempos. Muitas vezes nós não percebemos exatamente, a dimensão dos impactos das alterações climáticas para alguns países, o que me faz lembrar um exemplo avançado na COP de 2018, se não me engano, que referia que em 2004 uma tempestade tropical que afetou as caraíbas fez muitos biliões de dólares de estragos nos Estados Unidos, sendo que em Grenada, em termos de valor, não fez nem 10% disso, no entanto, o país perdeu 80% das suas infraestruturas. O que acontece é que os danos são contabilizados em termos de propriedade afetada, mas no entanto, este país demorou mais de uma década a restabelecer-se e esse esforço absorveu uma quantidade de recursos enorme, que poderia ter sido usado para se desenvolver. Teve que reconstruir escolas, estradas, hospitais. Muitas vezes nós vemos os números à distância e quando chegamos ao terreno a realidade é muito pior e portanto, tudo isto são as primeiras necessidades imediatas para resolver, mas isto não prepara o futuro.
Pós pandemia, o lema da Europa parece centrar-se em “Build Back Better” , no entanto, os apoios da comunidade internacional não têm feito isso para os países em desenvolvimento, muito dos fundos que realmente acabam por ser gastos são gastos em outras áreas que não a adaptação, seja a recuperação de catástrofes a curto prazo, seja a mitigação mas não a adaptação e portanto a prioridade nos próximos anos deveria ser a adaptação. Todos os recursos possíveis deverão ser colocados nesses esforços e os mesmos deverão deixar de ser vistos enquanto uma oportunidade de negócio e exportação de serviços, entre outros, pelos países desenvolvidos. Interessa procurar o que é realmente eficaz no terreno, com recursos do terreno, otimizá-lo e transferir esse mesmo conhecimento. É urgente aumentar o nível de competências nos países em desenvolvimento em questões ligadas à sustentabilidade, sendo que esse seria o primeiro passo fundamental a ser dado, na minha opinião.


De que forma poderá a sociedade civil ser um ator fundamental na transição ecológica justa e inclusiva? E quais os maiores desafios que se impõem ao seu desempenho neste processo?


O que se prevê nos próximos anos é um piorar geral da situação, seja em Portugal, como nos países em desenvolvimento. Convém começarmos a pensar nas alterações climáticas e nas questões de sustentabilidade como um todo e mais a médio, longo prazo. É necessário, igualmente, uma facilitação do procedimentos, sendo que muitas vezes, os países em desenvolvimento demoram muito tempo a obter aprovação de projetos e financiamento, através, por exemplo, do Climate Green Fund, o que faz com que, quando finalmente, os projetos têm autorização para avançar, podem já nem conseguir responder ao rápido desenvolvimento dos contextos destes países.
É essencial repensar o modelo de sociedade, porque os problemas vão continuar a bater-nos à porta e estão todos interligados e portanto as respostas precisam de o ser também, sendo que a UE precisa igualmente de ser mais integrante das realidades dos países parceiros.
Neste aspeto, a sociedade civil pode ter também um papel muito importante no sentido de trazer para as consciências e para a discussão o pensamento e as doutrinas económicas mais recentes, consideradas de ruptura, a ser produzidas nas faculdades, é necessário parar de perspetivar o crescimento económico como objetivo último do desenvolvimento humanoe focar mais numa lógica de satisfação de necessidades.
Em tom de conclusão, uma ONG como a Oikos faz um bocadinho disto tudo, faz a parte da sensibilização e consciencialização e o apoio no terreno. Este é, precisamente, o papel fundamental da sociedade civil e das ONGs, o de procurar novas formas de consciencializar, educar e mobilizar as sociedades, desafiando-as a ir mais além e não ficar só pelo imediato.

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