“Climate, Conflict and Demography in Africa” foram as principais temáticas debatidas na conferência online de alto nível, organizada pela Africa Confidential, pelo International Crisis Group e pela Royal African Society. A conferência visou centralizar os contributos, reflexões e perspetivas do continente africano, em termos de dinâmicas e impactos das alterações climáticas e demográficas, antecipando a COP-26 (26º Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU), que terá lugar em Glasgow em Novembro de 2021.
A reflexão apresentada tem como ponto de partida os impactos profundos que as alterações, aos níveis climático e demográfico, têm representado no continente africano. Estas tendências globais têm vindo a aumentar, significativamente, a pressão sobre os recursos humanos e naturais no continente, resultando em situações de forte tensão social e económica que, progressivamente, se traduzem num aumento das situações de conflito e emergência.
A conferência, que contou com a participação de atores políticos e académicos proeminentes em África, focou-se na discussão e aprofundamento dos diversos dilemas políticos que surgem na análise e procura por soluções que visem reduzir os riscos que emergem neste contexto, urgindo a necessidade de se estabelecer estratégias de longo prazo. Para tal, a discussão foi organizada em torno de 3 painéis.
Painel 1: Climate and Demography: Managing Economic Pressures
Existem, atualmente, três tendências globais com impactos significativos nas economias africanas, sendo estas, (1) as alterações demográficas, que fortemente impactuam as dinâmicas aos níveis de migração, de deslocação interna e urbanização do continente; (2) a tecnologia, através da sua capacidade de impulsionar o desenvolvimento Africano; e (3) as alterações climáticas. Esta última tendência é considerada a principal multiplicadora de ameaças globais na atualidade, afetando de forma desproporcional África, o continente com a menor proporção de emissões de gases de efeito estufa, onde os principais modos de vida e produção se encontram fortemente dependentes de recursos naturais e da preservação do ambiente. Este paradoxo apresenta um dos principais dilemas políticos que precisam de ser discutidos entre a Europa e África.
As reflexões apresentadas neste painel salientaram a necessidade de incluir a demografia no nexo de desenvolvimento, segurança e clima, no sentido de melhor compreender os impactos e tendências ao nível das populações, nos padrões de deslocações das mesmas, na fertilidade, na mortalidade e na pobreza. Esta dimensão é essencial na previsão e definição da pressão colocada sob os recursos naturais, possibilitando uma melhor gestão dos mesmos, e reduzindo assim ao máximo os conflitos que resultam da competição por estes recursos naturais. De igual forma, estas mesmo recursos representam também importantes fontes de rendimento das populações, podendo gerar consequências negativas aos níveis social, político e económico. O grau de atenção a estas dimensões definirá o seu futuro, apresentando-se como uma oportunidade de potencialização do crescimento económico, através do investimento na educação, na saúde, na boa governação e segurança.
Para tal, é essencial uma agenda de adaptação às alterações climáticas que contenha um forte conteúdo e presença africanos, alterando a perspetiva reativa ocidental por uma perspetiva africana mais proativa. A posição africana assenta na construção da resiliência das economias, num modelo económico inclusivo, que demonstre menos dependência do capital natural, mas que seja capaz também de explorar os recursos naturais de forma mais sustentável do que aquilo que foi feito até à data.
No caminho para uma transição energética justa, muitas são as vozes que levantam o argumento da necessidade de acesso à energia, e até certo nível, durante um determinado período de tempo a combustíveis fósseis, de modo a possibilitar a modernização dos dos sistemas económicos e infraestruturas de forma rentável para estes mesmos países. Embora a tendência global aponte para a redução de emissões, o paradoxo do ínfimo contributo africano para as mesmas, parece criar espaço para uma maior responsabilidade internacional em termos de levar em conta os contextos e a realidade africana, possibilitando a rentabilidade e efetividade desta transição. Para tal, é imprescindível uma comunicação africana que seja capaz de melhor explicar as especificidades dos contextos locais e argumentar por exceções no caminho global a ser percorrido nestas temáticas, por forma a que as políticas e estratégias climáticas internacionais não representem novos desafios económicos e sociais para o continente. É necessário que exista uma sensibilidade face aos diversos desafios que simultaneamente pressionam o continente, incluindo a necessidade da estruturação da sua resiliência intra continental, através de uma zona de comércio livre, o investimento nos vários recursos nacionais dos países africanos que potenciem redes de proteção social, e a obrigação a esforços desproporcionais na cooperação internacional para a luta contra as alterações climáticas.
Atendendo ao momento atual de definição das regras para a implementação do Acordo de Paris, é fulcral uma atuação coletiva africana forte, capaz de mobilizar a atenção para o financiamento e a adaptação climática, enquanto formas mais seguras de salvaguardar a sua própria prosperidade económica. O painel focou-se assim na importância de uma mobilização forte para as questões de crescimento económico em África, em interligação com a adaptação climática. Como tal, estratégias de transição ecológica no continente têm que, indubitavelmente, conter dimensões de desenvolvimento económico e social, tais como a criação de emprego, com especial foco nas populações jovens e mulheres.
Painel 2: Climate, Conflict and Security: Managing the Politics
Neste painel, as interligações entre clima, conflito e segurança foram salientadas, a fim de impulsionar uma adaptação das respostas capazes de promover a paz e segurança a nível mundial. O primeiro desafio que se encontra neste caminho é uma crescente desconexão entre populações africanas e as instituições que as regem, tendência que parece estar em crescimento globalmente. As populações africanas não se sentem representadas pelos sistemas políticos e, como tal, parece urgente um novo contrato social global, que seja ancorado nos direitos humanos, capaz de promover confiança, inclusão, proteção e participação, quer na agência regional, comunitária, ou global.
O investimento e construção da resiliência e adaptação climática não pode ser visto como uma solução para os conflitos e a violência em África, mas é, certamente, um fator de forte alívio nas mesmas. Simultaneamente, a prevenção de conflitos deve abordar as causas profundas por detrás do deterioramento das condições sociais, económicas e políticas, como sejam, a boa governação, a prestação de serviços eficientes às populações, o fim da corrupção, ou o investimento na igualdade de género e em empregos, focando-se na conceção de mecanismos que abordem cumulativamente estas dimensões de conflito.
Para tal, os países africanos precisam de investir na produção de conhecimento de forma a integrar a sua população no processo de adaptação e mitigação das alterações climáticas, e possibilitando a sua antecipação e definição de pontos críticos de impactos severos bem como a consequente adaptação política.
Foi assim avançado o argumento em favor da integração da dimensão da restruturação e renovação institucional política com o financiamento climático para África, numa perspetiva de interligação da elaboração de políticas, através da produção de conhecimento científico e académico e da inclusão dos cidadãos neste processo.
Painel 3: Climate and Global Change: Getting Africa’s Voices Heard / Taking the Agenda Forward
No caminho para uma maior agência política africana, para a mobilização de apoio internacional e para uma garantia de compromissos e ações internacionais fortes, é essencial uma mudança da narrativa das alterações climáticas, capaz de refletir as perspetivas e contextos africanos, em que as populações se sintam incluídas e comecem elas próprias a encontrar as ligações aos seus problemas do dia a dia, motivando a procura de soluções para os mesmos bem como um maior ativismo político local. A capacitação das populações deverá ser o motor para a exigência da inclusão das estratégias climáticas no centro da agenda política da maioria dos países africanos, algo que ainda não se verifica.
Mais ainda, é central que as vozes africanas se juntem coletivamente para criar uma narrativa coerente e linear, de ameaças, interesses, soluções e iniciativas africanas para os africanos, na tentativa também de argumentar pela necessidade da nivelação dos esforços comunitários africanos e dos países industrializados, visando encontrar um equilíbrio proporcional à contribuição dos próprios para os problemas globais.
No entanto, a perspetiva africana enfrenta um contexto de diálogo político internacional onde as narrativas dos países industrializados prevalecem, desdobrando-se em debates sobre tecnicidades em torno das emissões, e sendo remetidas para debates igualmente técnicos sobre o financiamento que embora relevantes, não se aproximam das necessidades reais de capital para fazer avançar uma agenda africana em matéria de adaptação. É, por isso, imprescindível que as verdadeiras contradições e dilemas políticos com relevância para África sejam incluídos nas discussões de forma central, compreensiva e intersectorial.
Neste âmbito, foram elencados alguns desafios incontornáveis, nomeadamente, a construção de uma narrativa africana coerente e bem sustentada, ou a construção de capital e conhecimento político, que permitam uma responsabilização real na prossecução dos vários compromissos em matéria de clima e segurança, produção de conhecimento intersectorial bottom-up e capacitação institucional ao nível regional, por forma a reforçar a voz coletiva nos contextos multilaterais.
Quatro temáticas principais decorrentes das exposições e discussões proporcionadas por cada grupo de oradores, foram articuladas em jeito de conclusões e resoluções que deverão guiar a atuação, mobilização e luta pelos interesses dos estados africanos na COP26:
- A necessidade de melhorar a avaliação de impactos e a gestão das alterações climáticas de modo a capacitar a previsão e, consequentemente, o planeamento de estratégias de mitigação e adaptação.
- A necessidade de uma melhor articulação política africana, capaz de entender a dimensão multissetorial das alterações climáticas, trazendo-as para o centro da agenda, enquanto multiplicador dos diversos desafios em áreas como a agricultura, a indústria, o investimento, o comércio, entre outras.
- A urgência da adoção de políticas verdadeiramente capazes de abordar a pressão sob os recursos naturais em África, um dos principais motores de conflito e migrações intra continentais.
- As prioridades do continente africano deverão assentar na renovação do poder agência dos governos, mas principalmente, das populações africanas, que deverão ser capazes de exercer pressão política suficiente, com vista à mobilização de financiamento climático para África, possibilitando uma transição energética justa e inclusiva, a par de mais investimento em recursos humanos, onde a educação e formação necessitam de ter um papel privilegiado.